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Amo-te Luanda!

 

Amo o teu entardecer, ver o teu Sol mergulhar nas águas salgadas da tua Ilha! Comove-me a hora em que o Sol fica a pique e a luz, amarela e intensa, se derrama sobre os telhados de zinco das tuas cubatas, rebocadas com barro vermelho, os teus raios enigmáticos e divinos. Amo o exacto momento em que o teu mar se torna um imenso devaneio azul esverdeado e as tuas canoas deslizam leves como a palha que corre à superfície da água, carregadas com a rede dos nossos pescadores. Há no entardecer de cada dia, em Luanda, uma infinita poesia. Amo o rumor vegetal das folhas das tua “Mulembeiras” e “Cajueiros”, que estremecem com a brisa morna do fim da tarde, o calor que atordoa o voo dos pardais e “rabos de juncos”, e os faz despenharem-se na sombra das palmeiras e das “mangueiras”, carregadas de dendém e de mangas. Amo o sopro quente que embala as vozes descombinadas dos que habitam as casas de tijolo e vivem de janelas abertas. Amo os teu becos, as tuas “barrocas” do Miramar, a Casa “Carmona”, “Casa Branca”, “os Cambutas”, “a loja do Santo Rosa”, “Catonho-Tonho”, “Suba”, e todas aquelas que ficavam na Baixa, nomeadamente o “Quintas & Irmão”, “Armazéns do Minho” e tantas outras, frequentadas mais pelos brancos de primeira!

Amo o cheiro que se desprende da tua terra vermelha, quando a chuva cai torrencialmente sobre ela, e os corpos das mulatas molhados, a fazerem-se notar, através dos seus vestidos de “chita”, os seus rijos, hirtos e belíssimos seios, bem como os desenhos empinados das suas “bundas”, que punham um “gajo” a arrotar a “peixe-pungo”! O andar furtivo dos gatos nos muros que prende o olhar e o torna cúmplice e secreto. O som pesado dos navios que chegavam ao porto, no fundo da tua Marginal, e se anunciavam com sirenes graves e prolongadas. O movimento das nossas gentes: negros, brancos e mulatos, que voltam de mais um dia vivido como irmãos, e que se dirigiam ao “Bê-Ó”, Vila Alice, Maianga, ou até no Sambizanga, para visitarem as suas “garinas” e “matar” as saudades dos seus amigos!

E ali está, acolá, lá em cima, a tua fortaleza de São Miguel, à entrada da Praia do Bispo e da tua Ilha, que a luz oblíqua torna mais majestosa, próxima e faz mais presente. Ornamentada por todo aquele arvoredo, capim e “piteiras”, mas que, simultaneamente, libertam um perfume doce Africano, que se espalha devagarinho e se sente no ar. Amo o teu luar, as tuas “batucadas”, o reco-reco e a “puita”, as tuas “farras” no Braguêz, no Desportivo do União de São Paulo e em outros lugares escondidos, secretamente guardados por “Kapangas” por causa das “rusgas”! Cada “Show”, cada “merengada”, que um “gajo ficava boamado”! Amo a “Ti-Guinhas”, cega, que com as suas milagrosas massagens, eliminava de vez o “catolo-tolo”! E a “Tia-Donana”, com seus doces de “gingumba” no “Balaio”, em cima do passeio, que eram de comer e chorar por mais.

Amo o som do sino da Igreja de São Paulo, que tocavam a compasso e marcavam as nossas horas de silêncio e contemplação, quando ao fim da tarde, nos juntávamos em frente à “Minerva”, no “Bar Mariazinha”! Amo a rua de São Paulo, o “Magestic”, a Farmácia São Paulo, a “Casa Lina, a Drogaria, o Cine-Colonial, a “Auto-reparadora”, o “J.Setas”, a “Casa Queimada”, o “Rex”, o “Copacabana”, os “Armazéns São Paulo”, “Colégio Padre António Vieira”, “Campino” com as suas sandes de peixe frito, o nosso Amigo de peito Enfermeiro diplomado LOURO, “Santos Qui-Peixe”, Brito da Farmácia (doutor de Quimbundo), “Cravo” com a sua “dobrada”, o “Karibala”, e tantos outros!

Amo a luz dourada da tarde reflectida nos olhos dos nossos “Kandengues”, o barulho do arco de barril e do carro de bordão, com carreto a imitar o motor…todo este barulho íntimo dos seus passos em casa e a voz às vezes rouca da “Chiminha”, com que me chamava para fazer amor comigo na esteira, junto à “moringa” e a “Sanga”, cheias e água fresca do “Quifagondo”!    

Amo-te LUANDA, mesmo longe e afastado de ti há mais de 35 anos! Amo a substância dos dias e a consistência das horas. Os gestos banais, as coisas simples, os risos, as lágrimas e os silêncios partilhados. Amo o teu “cacusso”, a tua “gâropa”, peixe-galo, peixe pungo,  linguado, teus caranguejos de Moçâmedes, tuas lagostas, polvo, “quitetas”, “mabanga”, fruta-pinha, “maboque”, papaia, mamão, manga do Ambriz, ananás, goiaba….Amo o tempo inteiro e a eternidade que germina em mim e à minha volta. Amo Deus em todas as coisas e em cada pessoa. Amo a Nossa Senhora da Muxima, e todos aqueles Amigos que brincaram comigo a “Cabra-Cega”, “pede fogo…vai ali”, “Camcimbula”, “ninguém me atreva até findei”, as escondidas, o jogo da malha, saltar a corda, das “berridas”, das “baçulas”…Aiué LUANDA!! Amo as casas e as cubatas de “pau-a-pique”, de “Luando” cobertas com capim, e os lugares que conheci e que todos os dias me recordo. Amo a intimidade e a verdade. E amo o entardecer, por ser a hora em que tudo se completa e o momento em que consigo juntar o que anda disperso em mim. Podia viver só ao entardecer.

ADEUS LUANDA…eu por aqui me fico, provavelmente sem te ver mais! Deus assim quer…porque deixou de acreditar nos homens, deixou-nos entregues uns aos outros…deixou de gostar da gente, aliás, não somos nada merecedores da sua Companhia….

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